A procura da verdade na arte em La Mise à mort de Louis Aragon - "Oedipe", o terceiro "Conto da pasta vermelha" I
1. Introdução
O capítulo "Oedipe" encontra-se no longo romance de 1965 La Mise à mort (em Portugal traduzido como Condenação à morte), que marca o início da fase estruturalista na produção de Louis Aragon. O autor repensa todo o seu percurso literário desde o movimento Dada, passando pelo surrealismo e realismo socialista, até 1965. Traça um retrato ficcional do seu itinerário e reequaciona sobretudo a ruptura com o movimento surrealista. Para isso, recorre a um movimento que conhecia bem, o romantismo alemão. Aragon era médico de profissão, sabia falar alemão e era profundo conhecedor da cultura alemã, que irá defender nos anos da Resistência como a "Alemanha dos pensadores e poetas". Em La Mise à mort, esta temática será ilustrada através do uso e mudança de função de motivos tradicionais do romantismo alemão, nomeadamente o motivo do espelho, da sombra e do duplo ("Doppelgänger"). A redescoberta do passado surrealista e a investigação do seu significado assumem em La Mise à mort a forma de busca da verdade a três níveis: a verdade histórica no capítulo "Murmure", a verdade individual no capítulo "Le Carnaval", e a verdade da arte em "Oedipe".
O texto de "Oedipe" é tão difícil de ler, que uma das primeiras analistas deste romance, Sophia Bibrowska, afirma ser produto de um cérebro doente, interpretando o capítulo como "grito desesperado de loucura" e "mascarada louca de marionetas sem nexo". Wolfgang Babilas vê neste Édipo o homem típico da era (anos 1960), e Delf Schmidt acentua a dimensão política do conto e classifica-o como a peça mais hermética da produção tardia de Aragon. Devido a este carácter difícil de decifrar, "Oedipe" é normalmente visto como continuação do romance da fase surrealista Anicet ou le Panorama, Roman, e como regresso à escrita automática que era própria do surrealismo.
Tentarei mostrar na minha análise que a relação de "Oedipe" com Anicet é de ordem mais subtil do que o mero retomar da escrita e temática surrealista. Aragon trata em "Oedipe", de modo altamente elaborado, o problema da verdade na arte e traça a problemática do poder de invenção e antecipação da literatura. O complexo sistema interior de espelhos em "Oedipe" - i.e., os vários níveis simultâneos de alusões, e os diferentes contextos - fazem, de facto, este conto parecer um texto hermético, de interpretação impossível. No que se segue tentarei mostrar que "Oedipe" é uma obra-prima de reflexão meta-literária.
(a continuar)
Bibliografia secundária seleccionada:
Ana Maria Delgado, Aragons 'La Mise à mort' und die Rezeption romantischer Motive. Diss. Universidade Humboldt de Berlim, 1984
Delf Schmidt, Aragon. Zur Konzeption des sozialistischen Realismus in seinem Werk. Hamburg, 1980
Sophia Bibrowska, Une mise à mort. L'itinéraire romanesque d'Aragon. Paris, 1972
Wolfgang Babilas, Le collage dans l'oeuvre critique et littéraire d'Aragon. In: Revue des Sciences Humaines, 151, 1973
Imagens e créditos:
Max Ernst, Das Innere der Sicht (Ödipus), 1931 (O interior da visão, Édipo) (http://www.derkunstblog.blog.de/)
Gustave Moreau, Oedipe et le Sphinx (1864) (allposters.de)
Jean-Auguste Ingres, Oedipe et le Sphinx (1808) (allposters.de)
Retomo aqui hoje um post de 7 de Junho de 2010 do meu blogue Comparatista e Detective.
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